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ABL na mídia - O Globo - Rio, próximos capítulos: autores contemporâneos exploram novos ângulos da Capital Mundial do Livro

 

Desde os primeiros viajantes, aqueles que passaram por aqui ainda no século XVI, o Rio de Janeiro é traduzido em incontáveis relatos. Pode-se afirmar sem medo que nenhuma cidade brasileira foi tão citada na história da literatura. Pesos pesados nacionais, como José de Alencar, Machado de Assis, João do Rio e Lima Barreto — entre muitos, muitos outros — tornaram essa terra ora palco, ora protagonista de tramas que ajudaram a moldar o caráter do país. A fonte de tanta inspiração está longe de se esgotar. Escolhido pela Unesco para ser a Capital Mundial do Livro de 2025, o Rio chega aos dias de hoje interpretado por novas vozes, que trazem temas nunca antes evocados e ampliam os territórios explorados.

Procure saber: Marcelo Moutinho, Bruna Mitrano, Geovani Martins, Alberto Mussa, Luiz Antonio Simas e Aimee Oliveira são alguns dos nomes de destaque na polifonia carioca que vem se consolidando ao longo das últimas duas décadas e meia. Para a pesquisadora Beatriz Resende, professora de Literatura na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), há um momento muito claro de inflexão, quando espaços ditos periféricos passam a ocupar o centro de algumas das principais narrativas que têm o Rio como foco: o lançamento de “Cidade de Deus” (Companhia das Letras), de Paulo Lins, em 1997.

— O subúrbio demorou muito a entrar na literatura. Entrou mesmo com Lima Barreto (1881-1922), e não são todos os livros. Só “Clara dos Anjos” se passa todo no subúrbio e tem uma cena apenas no Largo do São Francisco, no Centro, algo inovador para a época. Depois, temos algo aos poucos. Mas acho que o turning point foi com “Cidade de Deus” — analisa Beatriz Resende. — Ali abriu-se um novo cânone da literatura, da forma de tratar a cidade. O foco se deslocou para as áreas mais pobres. De lá para cá, a gente pode falar mesmo de uma outra literatura urbana no Rio.

‘A cidade é a grande personagem’

A professora aponta como fundamentais para a formação de escritores (e leitores) desse movimento as políticas de cotas na educação e iniciativas como a Festa Literária das Periferias (Flup). Alguns expoentes desta produção contemporânea estarão na Caixa Cultural, na Rua do Passeio, a partir de terça-feira, dia 13, no ciclo “Labirinto Zona Norte: O subúrbio no centro da literatura”. Por sete semanas, até 24 de junho, sempre às terças, haverá cursos, palestras, debates e performances. Tudo de graça.

Um dos curadores do evento é Marcelo Moutinho. Nascido em Madureira, o escritor traz as próprias vivências suburbanas para suas obras — entre elas “A lua na caixa d’água” (Malê), prêmio Jabuti na categoria crônica, em 2022, cuja capa é uma imagem feita por Márcia Foletto, fotógrafa do GLOBO, e a antologia de contos “Ferrugem” (Record), Prêmio Clarice Lispector de 2017, concedido pela Fundação Biblioteca Nacional.

— A cidade é a grande personagem tanto das minhas crônicas quanto dos meus contos. Mas não é qualquer cidade. Eu falo sobre uma cidade que não é a do cartão-postal, é a que está nas franjas dessa zona elitista do Rio de Janeiro — explica Moutinho. — Basicamente, é uma cidade de classe média baixa e suburbana. Não é exatamente a favela, mas também não é a Zona Sul. É um lugar entre os dois.

Moradora da Zona Oeste, a poeta Bruna Mitrano — que participa do ciclo na Caixa Cultural — cria, com seus versos, desenhos potentes dessa metrópole. Nas páginas de “Ninguém quis ver” (Companhia das Letras), lançado em 2023, surgem tanto os trens do ramal Santa Cruz quanto uma cena violenta, crua e detalhadamente descrita, na Vila Kennedy, e outra, delicadamente banal, ambientada num meio-fio em Cosmos, bairro onde a escritora vive atualmente. Nos versos de “a cada doze minutos”, ela produz uma imagem que, embora não tenha referência geográfica explícita, é perfeitamente reconhecível por quem quer que tenha viajado nos trens da Central: “há um terremoto ou outro/ desastre natural/ nos barracos encostados nos muros/ das estações de trem”.

— Só adulta fui para a Zona Sul pela primeira vez e vi um outro Rio. Existem “não-Rios” dentro do Rio, e onde eu moro é um pouco isso. Mais que marcado pelas coisas ruins, é esquecido mesmo. Essa talvez seja a maior violência: ignorar a existência. Minha escrita nasce por isso, eu quero dar nome às pessoas que moram aqui — diz Bruna, que foi uma das atrações da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) no ano passado.

‘Subúrbio do subúrbio’

Estrela dessa nova literatura carioca, Geovani Martins, nascido em Bangu, participou de oficinas da Flup e estreou em 2018, com o elogiado “O sol na cabeça” (Companhia das Letras). Em 13 contos, ele monta um mosaico da cidade baseado na vivência de quem, mesmo jovem — tinha 26 anos quando o livro foi lançado —, já tinha morado em mais de duas dezenas de endereços. No seu romance “Via Ápia”, da mesma editora, lançando em 2022, a Favela da Rocinha e seus moradores ganham vida por meio da trajetória de cinco amigos durante a instalação da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) no morro.

— Personagens que estão nas ruas, como o camelô, o motorista de ônibus, têm sido uma constante nos meus livros e também nos livros de outros escritores da minha geração. Isso tem gerado frutos: uma literatura mais inclusiva, que alcança mais leitores e que ajuda a pavimentar o caminho para novas vozes, novos autores. Gente escrevendo a partir de outros pontos desse grande mosaico que é o Rio de Janeiro — analisa Geovani.

Moradora de São Gonçalo, Aimee Oliveira estudou moda na Barra da Tijuca. Durante as horas de deslocamento de ônibus, observava a cidade pela janela e deixava a imaginação voar em meio ao trânsito. A partir daí, suas histórias, voltadas ao público adolescente, começaram a nascer. Em “Recalculando a rota” (Plataforma 21), ela apresenta um bairro fictício que chamou de “Subúrbio do Subúrbio”. Em um diálogo do livro fica fácil identificar a realidade de muitos bairros “periféricos” da cidade: “Um carro de aplicativo? Vir aqui no Subúrbio do Subúrbio te buscar? No meio do horário do rush? Essa é boa! Vou ficar aqui esperando até que você desista”, diz uma personagem. Aimee é uma das convidadas da Bienal do Livro, que acontece no Rio de 13 a 22 de junho.

— Será o principal evento do calendário cultural da cidade este ano, em que ostentamos o título de Capital Mundial do Livro. A Aimee Oliveira é uma autora de romances contemporâneos que retratam o cotidiano da juventude carioca com leveza, humor e afeto. Suas histórias trazem representatividade e mostram um Rio jovem, vibrante e cheio de camadas — diz Tatiana Zaccaro, diretora da GL Events Exhibitions, responsável pela organização da Bienal, em parceria com o Sindicato Nacional dos Editores.

Da Grécia antiga a Ipanema

A mudança dos eixos territorial e temático pode ser encarada como uma característica marcante da literatura carioca deste século. Mas o Rio, sempre inspirador, vai além: no premiado “Penélope nos trópicos” (Silvestre), Luciana Hidalgo transporta a clássica personagem da “Odisseia” da Grécia Antiga para a cidade, mesmo sem citá-la diretamente.

— O livro começa e termina na Praia de Ipanema. O Rio é a grande cidade que faz Penélope se movimentar, viver, mas em nenhum momento do romance eu digo que se trata do Rio de Janeiro. Fiz de propósito. Acho que, daqui a cem anos, uma pessoa que vier a ler o livro será capaz de compreender o que vivemos hoje no Brasil — prevê a autora.

Matéria na íntegra: https://oglobo.globo.com/rio/noticia/2025/05/11/rio-proximos-capitulos-autores-contemporaneos-exploram-novos-angulos-da-capital-mundial-do-livro.ghtml

12/05/2025