Tenho a impressão de que o Brasil sofre de uma epidemia de zumbis. Será o caso de perguntar em que planeta vivemos e em que espécie de república, quando juízes e procuradores agem como se fossem políticos, famintos de publicidade, ou quando parte dos senadores da comissão de impeachment se traveste de magistrados, que já se decidiram antes mesmo de ouvir as partes. Ou ainda quando corruptos de quatro costados arrogam-se paladinos da transparência e inimigos dos malfeitos.
Na economia, até o mês passado, havia um imensíssimo rombo e, no entanto, através de surpreendente aritmética, o Planalto sancionou a elevação dos proventos do Judiciário, a que se somam diversas bondades, causando vertiginoso impacto no orçamento. E nenhum ajuste às categorias que mais padecem. Urge saber qual a verdadeira espessura ética de nosso Parlamento.
Impedido pelo Supremo de ir à Câmara, um dos maiores zumbis, e presidente informal do país, Eduardo Cunha foi recebido num domingo à noite, no palácio do Jaburu por Michel Temer. Não há mesóclise capaz de camuflar tamanha estranheza. Paira uma nuvem, difusa e discreta, para interromper a Lava Jato. Outros zumbis alardeiam reformas que deveriam passar forçosamente pelas urnas, sobre o Pré-sal, o Mercosul e fechamento de embaixadas. Questões sensíveis que exigem amplo debate e horizonte consensual.
Há outros zumbis que discorrem sobre a educação do país no Congresso, justo quando as escolas estão ocupadas em função de má qualidade do ensino, escândalos na merenda, salários baixos e atrasados. Nesse estranho cenário, as forças de segurança expulsam meninos e meninas, ao arrepio da lei, sem pedido de reintegração de posse, e com desmedida violência. Tornou-se modelo aquele truculento governador que atacou professores com balas de borracha, bombas de efeito moral e cães ferozes. Por onde vai a justiça?
O debate sobre o ensino segue com enorme desfaçatez e despreparo conceitual. Eis uma lista irônica, inspirada nas atuais comissões do Parlamento, segundo a qual ficariam proibidos: Sigmund Freud, defensor da causa gay, Augusto Boal, dramaturgo subversivo, e o altamente perigoso Paulo Freire, com suas doutrinas marxistas. Penso que seria oportuno evitar-se a leitura dos evangelhos, porque tecem o elogio da pobreza e da divisão de bens. Passariam apenas obras de cunho religioso fundamentalista, a defesa do estado mínimo e da mão invisível.
O discurso dos zumbis dá a impressão de que regredimos, de que voltamos à década de 70, aos tempos da Guerra Fria e do AI-5, das balas Dulcora, dos carros Gordinis e Vemagetes. Em que mundo vivem nossos parlamentares?
Registro minha indignação frente à marcha da insensatez que assola o Brasil. Paira uma velada ameaça à liberdade de ensino e cresce o triunfo da indigência, uma onda de intolerância e barbárie. Contra a atual epidemia de sonambulismo e letargia, fiquemos atentos, de olhos bem abertos.