Todos já assistimos a esta cena. Às 7 da manhã, o homem magro, peito afundado, rosto vermelho e inchado, no balcão do botequim ou da padaria, tenta mandar para dentro um copinho de cachaça. Suas mãos tremem tanto que ele precisa usar as duas para levar o copo à boca. Sabe que está sendo observado e que as pessoas ao redor estão pensando: "Olha que vagabundo. Isso é hora de beber?". Para ele, é. Aquela será a dose que o estabilizará e, dependendo do seu grau de dependência, o manterá mais ou menos firme pela hora seguinte. Ou minutos seguintes.
Ele não é um vagabundo. É um homem doente, já perto do desfecho. Precisa beber de manhã porque passou as últimas horas dormindo e sem beber. Como seu organismo já não funciona sem a bebida, poucas horas sem ela provocam uma descarga neurológica —a tremedeira— que o transforma na triste figura que você vê. Já perdeu o emprego, a mulher, os filhos, os amigos, a saúde, a dignidade e, se ainda pode pagar por sua bebida, é porque beber no Brasil é criminosamente barato. E, não, ele não é um "viciado". É um alcoólatra. É-se alcoólatra como se é cardíaco ou diabético.
A palavra "viciado" tem conotação injusta. Leva a uma condenação moral do indivíduo, a impedir que se tente convencê-lo a procurar uma reunião do AA (Alcoólicos Anônimos) ou aceitar internar-se numa clínica para dependentes —ninguém pode ser internado contra a vontade. Mas o desconhecimento no Brasil sobre o problema é maciço. Somos um país que discute a legalização das drogas sem ter aprendido até hoje a lidar com a mais legalizada de todas.
Não há campanhas de esclarecimento ou prevenção à altura das necessidades. Pessoas que bebem todos os dias, cada dia mais cedo e em maior velocidade, acham que "bebem socialmente". Quando se diz que alguém foi internado numa clínica para "desintoxicação", pensa-se nesse lugar como um spa onde "o sem-vergonha enxugará o que anda bebendo" e saíra "pronto para outra".
Pode ser. Mas, se ele voltar à ativa, não haverá outra.