No impressionante filme A Onda (Die Welle), um professor de Ensino Médio propõe-se a explicar a seus alunos o surgimento do totalitarismo, e o faz mediante uma espécie de dramatização, que escapa a seu controle e acaba tornando-se real. Surge entre os jovens um movimento chamado A Onda, que, com seus códigos e rituais, evoluirá com crescente violência até o trágico final. A história baseia-se em fato acontecido em 1976 numa escola da Califórnia, e lembra dois famosos experimentos. O primeiro, conduzido pelo psicólogo da Yale University, http://en.wikipedia.org/wiki/Yale_University [2] Stanley Milgram, teve início em 1961, logo depois do julgamento do criminoso de guerra nazista Adolf Eichmann. Em sua defesa, Eichmann insistia em dizer que estava apenas “cumprindo as ordens”, o que levou Hannah Arendt a falar na “banalidade do mal”. Milgram se propôs a averiguar uma questão crucial: até onde uma pessoa vai quando cumpre ordens? Para tanto, contratou pessoas que, mediante um gerador elétrico, deveriam dar choques de crescente intensidade num “cobaio” humano. Na realidade, o gerador não dava choque algum; o “cobaio”, vivido por um ator, simulava ser a vítima dos supostos choques gritando de dor. Apesar disso, o condutor do experimento mandava que as pessoas continuassem acionando o aparelho e aí as respostas variaram. Alguns desistiam, inclusive abrindo mão do pagamento, mas 26 dos 40 participantes chegaram ao “limite” de 450 volts, mostrando que realmente a disposição de cumprir ordens ultrapassava o senso de compaixão.
O segundo experimento foi conduzido em 1971 pelo professor de psicologia Philip Zimbardo na Stanford University (Califórnia). Estudantes de graduação foram escolhidos para, ao acaso, desempenhar os papéis de guardas e prisioneiros, numa “prisão” instalada no porão da universidade. Os jovens rapidamente adaptaram-se a seus papéis, a ponto de um terço dos “guardas” ter exibido conduta francamente sádica, causando grande sofrimento aos “prisioneiros” e fazendo com que o experimento fosse encerrado.
O trabalho foi considerado por muitos como pouco ético e pouco científico. De qualquer modo, serve como indicativo das sombrias forças presentes no ser humano e que ocasionalmente vêm à luz, como aconteceu na prisão de Abu Ghraib, no Iraque, na qual prisioneiros foram torturados e humilhados por soldados americanos.
Conclusão: todos temos dentro de nós, em nosso inconsciente, um verdugo em potencial, que espera apenas um pretexto para torturar o prisioneiro que, por essas ambivalências da natureza humana, também habita o nosso íntimo e que projetamos em outras pessoas – às vezes aquelas a quem amamos.
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A acolhida ao presidente hondurenho deposto Manuel Zelaya na embaixada brasileira em Tegucigalpa confirma a posição independente, e de vanguarda, da diplomacia do nosso país no cenário internacional. Foi um ato digno, dentro da linha adotada pela Organização dos Estados Americanos. É preciso que os países da região aceitem esta realidade: com todos os seus defeitos, a democracia ainda é o melhor regime. Golpe já era. Este filme não pode ser reprisado.
Zero Hora (RS), 22/9/2009
Links
[1] http://855570.wynu.asia/academicos/moacyr-scliar
[2] http://en.wikipedia.org/wiki/Yale_University