É surpreendente a fragilidade das instituições dos Estados Unidos diante do avanço autocrático do governo Donald Trump. A classe política demora a reagir, especialmente o Partido Democrata, que deveria ser o contraponto a esse ataque à democracia, mas até agora se mostra acovardado institucionalmente, embora alguns de seus membros, aqui e ali, comecem a explicitar críticas aos desmandos do governo, de resto considerados aceitáveis por firmas de advocacia ou universidades, que se dobram à visão de mundo trumpista.
Guardadas as proporções, o que acontece nos Estados Unidos aconteceu no Brasil, com a tentativa permanente de Bolsonaro de sobrepujar as instituições republicanas. Ao contrário de lá, porém, aqui tivemos uma reação firme não apenas da sociedade civil, como do sistema judiciário, liderado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que limitou as ações autoritárias de Bolsonaro. Nos Estados Unidos, a reação tem sido muito branda por parte do Judiciário, embora em alguns estados o presidente autocrático já tenha sofrido derrotas importantes.
Mas ele vai longe demais em suas ações, defendendo a expansão de seu “espaço vital”, da mesma maneira que fez Hitler — e que faz Putin na Rússia atual ao invadir a Ucrânia. A tese de que a Groenlândia será dos Estados Unidos “mais cedo ou mais tarde”, porque é fundamental para a segurança do seu país, é incrivelmente anacrônica depois da Segunda Guerra Mundial, ou terrivelmente atual se pensarmos que a terceira guerra já está em curso.
Quando foi eleito pela primeira vez para presidir os Estados Unidos, Trump representava um perigo com suas ideias ditatoriais, mas não tinha a desenvoltura de hoje nem conhecia o establishment de Washington como conhece hoje. Foi controlado pelas instituições republicanas, até mesmo por alguns de seus assessores mais diretos, que se comprometiam mais com a proteção da democracia americana do que com os interesses pessoais do presidente.
Depois que saiu do poder, ele descobriu que esteve sempre vigiado e controlado dentro da Casa Branca. Hoje, cercou-se de aliados que não apenas pensam como ele, mas o veneram como se fosse o ditador que gostaria de ser. A cada avanço contra a democracia, a cada enfrentamento com a Justiça, testemunhamos os Estados Unidos, que eram a democracia exemplar para o resto do mundo, mesmo com seus defeitos, seguindo rumo a uma autocracia, com todos os riscos que isso representa para o planeta. E acelerarão muito a decadência de sua influência global se seguirem assim, em setores fundamentais como ciência e tecnologia, que são desmontados pelo próprio governo em prejuízo de sua posição de liderança internacional.
As universidades americanas — consideradas fontes de conhecimento e desenvolvimento não apenas para os estudantes americanos, mas para os de países em desenvolvimento e para a própria economia americana — agora estão sob a ameaça permanente do governo, que quer controlar as atividades nos campi e interferir na liberdade de expressão, assim como, no Brasil, Bolsonaro se empenhou em demonizar as atividades das universidades brasileiras.
Dizem que os deuses, quando querem punir os homens, primeiro os enlouquecem. O processo de cegueira de Trump está em pleno desenvolvimento. Ele não apenas abandonou a Otan, extraoficialmente ainda, como quer que seus aliados se coloquem de joelhos diante do poderio dos Estados Unidos, antes usado para proteger a Europa e o mundo ocidental e agora uma ameaça aos antigos aliados. A ambição de Trump é tornar-se um líder autocrático como Putin na Rússia ou Xi Jinping na China. Um mundo de autocracias nucleares é o que poderia de pior acontecer à humanidade.